Ofensiva global

Programa da <i>troika</i> ataca Estado Social em várias frentes

Eugénio Rosa

Um dos ata­ques mais graves ao «Es­tado so­cial» é a re­cusa de um di­reito fun­da­mental a cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses, que é o di­reito ao tra­balho e a um em­prego digno con­sa­grado na pró­pria Cons­ti­tuição da Re­pú­blica.

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Ora este di­reito fun­da­mental é ne­gado cada vez mais a mi­lhares de por­tu­gueses, como re­velam os dados do INE cons­tantes do Quadro 1.

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Os dados sobre a evo­lução do de­sem­prego em Por­tugal mos­tram que, entre Ja­neiro de 2009 e Ja­neiro de 2011, se ve­ri­ficou em Por­tugal um au­mento con­tínuo e ele­vado do de­sem­prego.

Nesse pe­ríodo, o de­sem­prego ofi­cial passou de 495,8 mil para 688,9 mil (+193,1 mil) e o de­sem­prego efec­tivo cresceu, no mesmo pe­ríodo, de 624,3 mil para um mi­lhão e seis mil (+382,3 mil). É evi­dente a ne­gação de um di­reito que ca­rac­te­riza qual­quer «Es­tado so­cial» a um nú­mero cres­cente e ina­cei­tável de por­tu­gueses.

Entre o 4.º Tri­mestre de 2010 e o 1.º Tri­mestre de 2011, ve­ri­fica-se um au­mento anormal e muito grande do de­sem­prego que convém ana­lisar e ex­plicar até para que fi­quem claras as ra­zões desse salto no de­sem­prego. Na te­le­visão, por exemplo, quando al­guém se re­fere a esta questão, a res­posta ha­bi­tual é «a mu­dança de me­to­do­logia» o que, para a opi­nião pú­blica, é na­tural que pouco diga. No en­tanto, a ex­pli­cação torna clara as de­fi­ci­ên­cias que têm as es­ta­tís­ticas ofi­ciais do de­sem­prego em Por­tugal.

Entre o 4.º Tri­mestre de 2010 e o 1.º Tri­mestre de 2011, o de­sem­prego ofi­cial au­mentou de 619 mil para 688,9 mil (+69,9 mil); a taxa de de­sem­prego ofi­cial subiu de 11,1% para 12,4%. O de­sem­prego efec­tivo, du­rante o mesmo pe­ríodo, cresceu de 768,9 mil para 1006,6 mil (+237,7 mil), e taxa efec­tiva de de­sem­prego au­mentou de 13,6% para 17,7%. Este au­mento tão ele­vado no de­sem­prego em Por­tugal não re­sultou de uma al­te­ração ra­dical na si­tu­ação real ve­ri­fi­cada no de­sem­prego e na taxa de de­sem­prego em apenas um tri­mestre, mas tem fun­da­men­tal­mente como causas o facto de an­te­ri­or­mente muitos por­tu­gueses serem con­si­de­rados pelo INE como es­tando em­pre­gados quando efec­ti­va­mente es­tavam de­sem­pre­gados.

Assim, se­gundo as pró­prias «Es­ta­tís­ticas do Em­prego» do 1.º Tri­mestre de 2011 (ver págs 34 e 35), até ao fim de 2010 eram con­si­de­rados como es­tando em­pre­gados todos «os in­di­ví­duos que efec­tu­avam um tra­balho não re­mu­ne­rado para uma pessoa de fa­mília ou com vista ao auto-abas­te­ci­mento».

A partir do 1.º Tri­mestre de 2011, tais in­di­ví­duos pas­saram a ser, se­gundo o INE; «clas­si­fi­cados como não em­pre­gados, tor­nando-se ele­gí­veis para a clas­si­fi­cação pos­te­rior como de­sem­pre­gados ou inac­tivos. Esta cir­cuns­tância ajuda a ex­plicar a re­dução ob­ser­vada na po­pu­lação em­pre­gada e o au­mento da po­pu­lação de­sem­pre­gada e inac­tiva», e no­me­a­da­mente nos «inac­tivos dis­po­ní­veis», os quais, entre o 4.º Trim-2010 e o 1.ºTrim-2011, au­mentam de 78,9 mil para 143,8 mil. Também se ve­ri­ficou al­te­ra­ções na de­fi­nição de «su­bem­prego vi­sível» em que pas­saram «a ser con­si­de­radas as horas ha­bi­tu­al­mente tra­ba­lhadas em todas as ac­ti­vi­dades (prin­cipal e se­cun­dá­rias) e não apenas na ac­ti­vi­dade prin­cipal, como era an­te­ri­or­mente. É também in­tro­du­zido um cri­tério de dis­po­ni­bi­li­dade para co­meçar a tra­ba­lhar as horas pre­ten­didas, o que cer­ta­mente ex­plica o au­mento de 71 mil para 173,9 mil ve­ri­fi­cado entre o 4.ºTrim-2010 e o 1.º Trim-2011. Este facto as­so­ciado ao au­mento re­gis­tado também nos «inac­tivos dis­po­ní­veis» ex­plica a ele­vada su­bida re­gis­tada no de­sem­prego efec­tivo que, du­rante o mesmo pe­ríodo, au­mentou de 768,9 mil para 1006,6 mil. Como o pró­prio INE re­co­nhece, as mu­danças in­tro­du­zidas «pro­por­ci­onam um maior rigor na iden­ti­fi­cação desses in­di­ví­duos e na cap­tação das si­tu­a­ções de fron­teira».

Por­tanto, era de­sem­prego que, na sua mai­oria, já existia, mas que es­tava oculto e que agora se torna vi­sível. Pela «an­te­rior me­to­do­logia» a taxa de de­sem­prego ofi­cial só teria au­men­tado, entre o 4.º Tri­mestre de 2010 e o 1.º Tri­mestre de 2011, de 10,9% para 11,4%, e o nú­mero ofi­cial de de­sem­pre­gados só teria su­bido de 619 mil para 633,3 mil, ou seja, menos 55,6 mil do que o nú­mero ofi­cial de de­sem­pre­gados. Este facto vem con­firmar as crí­ticas que fa­zíamos de que o nú­mero ofi­cial de de­sem­pre­gados não era real, pois es­tava muito abaixo do efec­tivo. Apesar da me­lhoria ve­ri­fi­cada é de prever que a ver­da­deira si­tu­ação ainda seja mais grave.

 

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A si­tu­ação agrava-se com re­cessão eco­nó­mica e des­truição da eco­nomia

 

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Existe uma cor­re­lação ne­ga­tiva, ou seja, in­versa entre a taxa de va­ri­ação do PIB e a taxa do de­sem­prego. Isto sig­ni­fica que quando o PIB cresce a taxa de de­sem­prego di­minui; e, in­ver­sa­mente, quando o PIB di­minui a taxa de de­sem­prego au­menta. O grá­fico 2, cons­truído com dados di­vul­gados pelo Eu­rostat e pela Co­missão Eu­ro­peia (Stas­tical Annex of Eu­ro­pean Eco­nomy – Spring 2011), mostra essa cor­re­lação ne­ga­tiva entre o PIB e o de­sem­prego para o pe­ríodo 1996-2012 em Por­tugal per­mi­tindo tirar con­clu­sões im­por­tantes.

No pe­ríodo 1996-2000, o PIB cresceu em média 4% ao ano, e a taxa de de­sem­prego caiu de 7% para 4%. A partir de 2000 e até 2010, ve­ri­ficou -se um cres­ci­mento ané­mico – a média do cres­ci­mento foi in­fe­rior a 1% por ano – e a taxa de de­sem­prego dis­parou tendo atin­gido cerca de 11% em 2010. Como mostra o grá­fico 1, só em 2007, com uma taxa de­cres­ci­mento eco­nó­mico de 2%, é que se ve­ri­fica uma pe­quena pa­ragem no au­mento da taxa de de­sem­prego. A partir de 2010, com a en­trada de Por­tugal em re­cessão eco­nó­mica, o ritmo de au­mento da taxa de de­sem­prego vai ine­vi­ta­vel­mente ace­lerar-se ainda mais, pre­vendo-se já antes da mu­dança de me­to­do­logia que a taxa ofi­cial de de­sem­prego atinja 13% em 2013 (agora com a nova me­to­do­logia, a taxa ofi­cial de de­sem­prego será cer­ta­mente su­pe­rior a 14%). É evi­dente que taxas de cres­ci­mento eco­nó­mico ané­micas e re­cessão eco­nó­mica de­ter­minam um au­mento con­tínuo do de­sem­prego em Por­tugal.

Para in­verter esta si­tu­ação é pre­ciso não só pro­duzir mais como tem sido dito, mas também au­mentar o con­sumo de pro­dutos na­ci­o­nais, o que tem sido es­que­cido. Nada serve pro­duzir mais se de­pois esse acrés­cimo de pro­dução não se con­se­guir vender. E neste campo ha­verá que pres­si­onar e mesmo tomar me­didas para al­terar a po­lí­tica de com­pras das grandes em­presas dis­tri­bui­doras que, mo­vidas apenas pelo lucro, pre­ferem vender pro­dutos es­tran­geiros, pre­te­rindo a pro­dução na­ci­onal. É exemplo disso a ca­deia Pingo Doce de Je­ró­nimo Mar­tins, que é o 5.º maior im­por­tador de pro­dutos es­tran­geiros, con­tri­buindo assim para o en­di­vi­da­mento cres­cente do País.

A pressão da opi­nião pú­blica era também im­por­tante. As me­didas do «Me­mo­rando» levam à des­truição da pro­dução na­ci­onal.

 

De­sem­prego au­menta e apoio aos de­sem­pre­gados vai di­mi­nuir mais

 

O grá­fico 2, cons­truído com dados di­vul­gados pelo INE (nú­mero de de­sem­pre­gados) e pela Se­gu­rança So­cial (de­sem­pre­gados a re­ceber sub­sídio), mostra de uma forma clara que o de­sem­prego e o apoio aos de­sem­pre­gados têm evo­luído em Por­tugal em sen­tido oposto.

No 1.º Tri­mestre de 2009, o de­sem­prego ofi­cial atingiu 496 mil, e o nú­mero de de­sem­pre­gados a re­ceber sub­sídio de de­sem­prego somou 299 mil, ou seja, cor­res­pondia a 60,4% do de­sem­prego ofi­cial. No 1.º Tri­mestre de 2011, o nú­mero ofi­cial de de­sem­pre­gados atingia já 688,9 mil (o de­sem­prego efec­tivo atingiu 1006,6 mil), mas o nú­mero de de­sem­pre­gados a re­ceber sub­sídio de de­sem­prego era apenas 293 mil, ou seja, so­mente 42,6% do de­sem­prego ofi­cial.

Em 2011-2013 a si­tu­ação agravar-se-á pois, se­gundo o «Me­mo­rando de en­ten­di­mento», o PS, o PSD e o CDS com­pro­me­teram-se a re­duzir ainda mais o apoio aos de­sem­pre­gados em 150 mi­lhões de euros. E isto apesar do au­mento ele­vado que se ve­ri­fi­cará no de­sem­prego em Por­tugal.

 

Apoio aos por­tu­gueses que estão no li­miar da po­breza também di­minui

 

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Com o au­mento do de­sem­prego, a po­breza está a au­mentar em Por­tugal. Apesar disso, o nú­mero de por­tu­gueses a re­ceber o Ren­di­mento So­cial de In­serção não tem pa­rado de di­mi­nuir.

Entre Jan.2010 e Mar2011, o nú­mero de be­ne­fi­ciá­rios do RSI passou de 428 mil para 331 mil. No pe­ríodo 2011-2013, se­gundo o «Me­mo­rando de en­ten­di­mento», o PS, o PSD e o CDS com­pro­me­teram-se a re­duzir a des­pesa com este apoio so­cial em 350 mi­lhões de euros. Outro apoio so­cial que so­freu uma quebra sig­ni­fi­ca­tiva foi o das bolsas do en­sino su­pe­rior. Cerca de 20% dos es­tu­dantes (mais de 12 000) per­deram o di­reito bolsa em 2011. O ataque ao «Es­tado so­cial» é global e não se li­mitou apenas à re­dução de 603 mil cri­anças a re­ceber abono de fa­mília entre Ja­neiro de 2010 e Ja­neiro de 2011 (passou de 1 772 000 para 1 119 000 se­gundo a Se­gu­rança So­cial).



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